quinta-feira, julho 31, 2008

As ugly as I seem


Fernanda é uma dessas pessoas que acha que é diferente, mas é igual. Sempre tem vontade de ir pra mais longe, de sair correndo ou até voando, mas quando chega do outro lado sente vontade de voltar. Sempre se sente só, mas quando muito acompanhada tem vontade de fugir. Às vezes sente vontade de sumir, nem sabe bem porquê. Às vezes se acha interessante – gosta de músicas que poucas pessoas gostam, vê filmes que muita gente não viu e freqüenta museus. Na maioria das vezes acha que não faz diferença nenhuma no mundo. Às vezes se cansa dos amigos. Depois cansa de si mesma. Sente-se incompreendida, mas também pensa que talvez não saiba mesmo explicar. Às vezes tem idéias mirabolantes e vontade de se movimentar. Na maioria das vezes é vencida pela inércia. Tem muitas vontades de não-sabe-o-quê. Num dia faz regime e no outro decide que gosta de comer. Num dia quer ser saudável, fazer caminhada e comer frutas. No outro quer voltar às 6 da manhã. Gosta de dormir, mas sempre tem insônia. Às vezes fala sem pensar. No resto das vezes é irônica. Gosta de piadas infames e desenho animado. Tem saudades e chora. Toma vacina pra alergia uma vez por semana. Não gosta de crianças, mas gosta de cachorros. Às vezes se sente feliz. Nas outras vezes se sente só. O último exemplar de alguma espécie.

domingo, junho 08, 2008

Jogo da vida


Você pode formar na faculdade ou passar pelo outro lado do tabuleiro. Pode ter cinco filhos ou nenhum. Pode acabar milionário ou falido, pode achar petróleo e perder tudo apostando na roleta. Mas aconteça o que acontecer, você tem que pagar seus impostos e parar no dia do casamento. Na maioria das vezes, você queria o carrinho azul, mas só sobrava o vermelho. Quando ninguém estava olhando, você jogava o dado de novo e ganhava cavalos premiados. E quando o jogo acabava, achava sem sentido atravessar todas as casinhas contando só com a sorte, como se toda a sua vida pudesse ser decidida apenas com um dado. Então talvez fosse melhor jogar War – no fim, as coisas também eram decididas pelo dado, mas na caixa estava escrito “jogo da estratégia”. O problema era que, no meio do jogo, alguém sempre achava que havia um complô e jogava as pecinhas de todo mundo pro ar. A única opção então era algum jogo de cartas. Mas sempre tinha alguém que não sabia as regras e, na hora da explicação, outro alguém sempre discordava da utilidade de uma carta. Às vezes um terceiro alguém se cansava da confusão e ia embora. Às vezes esse alguém era você. Mas mesmo com as discussões, a gente insistia em jogar de novo outro dia. Até o dia em que a gente entendeu o que eram os impostos e a guerra do Oriente Médio. Se todo mundo ia discutir no final, melhor nem jogar. Se as pecinhas iam todas para o ar no meio do jogo, melhor nem arrumar o tabuleiro. Não que o jogo não fosse mais divertido, nem que as brigas não pudessem ser resolvidas. Mas a velha sensação de saber como tudo ia acabar, a clara impressão de que alguém ia apelar antes do final, a possibilidade de ser vítima ou parte de um complô, tudo isso dava vontade de deixar os jogos guardados no armário, esperando o tempo passar enquanto se juntava coragem para mais uma discussão.

domingo, março 30, 2008

La belle mer


Talvez ela sempre soubesse que ia ser assim. Mas quis se arriscar mais uma vez. Afinal, ficar sentada na areia vendo as ondas irem e virem não era assim tão ruim. Mas não comparado à aventura de enfrentar o mar. Aquela água inquieta tentando derrubar tudo que vem na direção contrária, aquele chão instável que, vez ou outra, ainda tinha uma alga chata pra incomodar, o sal enrugando ainda mais a pele...

Mas ela já sabia que nunca se dava bem com o mar. Nunca conseguia vencer as ondas, acabava sempre levando mais um caldo. Mas quis insistir. Pensou que se tomasse cuidado talvez conseguisse enfrentar todos os obstáculos e sair ilesa da água. Cansou da areia e pensou que era hora de tentar de novo.

E até achou que estivesse indo bem... Quando o chão embaixo de seus pés se desfez pela primeira vez não desanimou, continuou em frente, enfrentando as ondas. Mas a maré começou a subir, as ondas ficaram mais fortes e o caldo foi inevitável. Então se convenceu de que realmente não sabia lidar com toda aquela água ao seu redor. Resolveu que não ia mais voltar. A areia, na verdade, era melhor. E ela e o mar nunca iam se entender. (Pelo menos até ela se cansar da areia mais uma vez...)

terça-feira, março 25, 2008

Pequenos milagres



Quando eu era pequena, não gostava muito de chocolate. Só comia alguns bombons, daqueles com bastante recheio. E eu sempre ganhava muitos ovos de páscoa. A maioria da família, mas também alguns de presente de aniversário. Ficava sem saber o que fazer com eles. Acabava comendo os bombons que vinham dentro do ovo e distribuía o resto entre os primos e a minha mãe.

Não me lembro quando comecei a gostar de chocolate puro. Mas esse dia chegou e, quando isso acontecem, os ovos sumiram. Esse ano ganhei só um, de aniversário, mas era branco e não me deixaram trocar na loga ("não trocamos chocolate, me disse a moça da loja de chocolates). Como ainda não gosto de chocolate branco (que, aliás, em minha opinião, nem chocolate é) e acho que nunca vou gostar, relembrei a minha infância e doei meu único ovo para a minha mãe. Em troca ela comprou bananas, mangas, maçãs, melancia, laranjas... Algumas pessoas me disseram que assim era bem melhor pra mim, mas não deixei de me sentir frustrada pela falta de ovo.

O domingo de páscoa passou e já na segunda-feira (uma segunda que, além de típica, era chuvosa), voltava pra casa de ônibus quando uma moça com uma pasta se aproximou. Ela estava em pé e eu sentada, logo me ofereci pra carregar seu objeto. Depois a moça se sentou e dessa vez uma mulher com três sacolas se aproximou. Segurei as sacolas até ela descer e então veio a terceira moça com sacola (dessa vez era uma só, preta e bem pesada). Novamente me ofereci pra carregar a sacola.

A moça era quase uma senhora (aparentava uns trinta e alguns anos), usava uma blusa amarela das lojas pernambucanas, bermuda jeans e all-star preto. Quando seu ponto chegou, tirou da bolsa um ovinho embalado num papel vermelho e me ofereceu.

- Pra você se distrair até chegar em casa.

Com o sorriso de uma criança que acaba de ganhar um Kinder Ovo tamanho 20 eu agredeci. A moça foi embora e não pude evitar que uma lagrimazinha tímida pulasse do meu olho para a bochecha direita. O ovo tinha recheio de licor de cereja e era muito bom. Desci no ponto final do ônibus e nem me importei com a chuva que caía, mesmo eu estando sem guarda-chuva.

Não sei se a moça me deu o ovo porque segurei a sacola dela ou se foi porque ela simplesmente gosta de distribuir pequenos ovos de páscoa para estranhos. Mas se ela conseguiu ler na minha testa "passei a páscoa sem chocolate", acho que também conseguiu ler no meu sorriso "obrigada moça, você salvou a minha páscoa!"

terça-feira, dezembro 18, 2007

Mais um trabalho final usado como post...

Cidade, City, Cité. Parafraseando Cid Campos e Augusto de Campos, damos início a nosso ensaio audiovisual sobre "as rasuras da modernidade no espaço da metrópole". Usando três palavras que designam o mesmo objeto lado a lado, acreditamos não incorrer em qualquer tipo de redundância, pois da mesma forma que Estados Unidos, Paris e Alpes são lugares completamente distintos, cada metrópole tem suas próprias rasuras. Num tom indefinido, alguma coisa entre o cinza do concreto, as cores pálidas da cidade e o amarelado típico do que é envelhecido, apresentamos a multidão confusa e o tráfego borbulhante se apropriando e invadindo os bulevares em ritmos descontínuos e fluxos assimétricos.

A câmera, quase sempre distante, é de quem observa a cidade e seu horizonte imperfeito com nostalgia do que ainda não deixou de ser. Do alto vemos a massa. De perto, constatamos que ainda existem pessoas na metrópole, e que algumas ainda insistem em ignorar o barulho, o caos, e toda a confusão do mundo ao seu redor. Jogam xadrez, sentam e esperam o que nem elas mesmas sabem, tentam organizar o trânsito, como se pudessem se subtrair daquele espaço desordenado.

A metrópole é assim: momentos de silêncio, períodos de sons irritantes e indistinguíveis. E se há os que tentam organizar a metrópole por meio da ação, há os que tentam faze-lo pela palavra. Dizem da metrópole como se fossem alheios a ela. Fazem previsões catastróficas, ou não vêem além do óbvio ululante. Como dois pássaros no alto de um prédio, vêem o emaranhado de carros na hora do rush, mas não se afetam por ele, ou então conferem tanta atenção aos automóveis que não conseguem ver o carrinho de pipoca do outro lado da rua, solitário e estático, como são as pessoas na metrópole.