terça-feira, março 25, 2008

Pequenos milagres



Quando eu era pequena, não gostava muito de chocolate. Só comia alguns bombons, daqueles com bastante recheio. E eu sempre ganhava muitos ovos de páscoa. A maioria da família, mas também alguns de presente de aniversário. Ficava sem saber o que fazer com eles. Acabava comendo os bombons que vinham dentro do ovo e distribuía o resto entre os primos e a minha mãe.

Não me lembro quando comecei a gostar de chocolate puro. Mas esse dia chegou e, quando isso acontecem, os ovos sumiram. Esse ano ganhei só um, de aniversário, mas era branco e não me deixaram trocar na loga ("não trocamos chocolate, me disse a moça da loja de chocolates). Como ainda não gosto de chocolate branco (que, aliás, em minha opinião, nem chocolate é) e acho que nunca vou gostar, relembrei a minha infância e doei meu único ovo para a minha mãe. Em troca ela comprou bananas, mangas, maçãs, melancia, laranjas... Algumas pessoas me disseram que assim era bem melhor pra mim, mas não deixei de me sentir frustrada pela falta de ovo.

O domingo de páscoa passou e já na segunda-feira (uma segunda que, além de típica, era chuvosa), voltava pra casa de ônibus quando uma moça com uma pasta se aproximou. Ela estava em pé e eu sentada, logo me ofereci pra carregar seu objeto. Depois a moça se sentou e dessa vez uma mulher com três sacolas se aproximou. Segurei as sacolas até ela descer e então veio a terceira moça com sacola (dessa vez era uma só, preta e bem pesada). Novamente me ofereci pra carregar a sacola.

A moça era quase uma senhora (aparentava uns trinta e alguns anos), usava uma blusa amarela das lojas pernambucanas, bermuda jeans e all-star preto. Quando seu ponto chegou, tirou da bolsa um ovinho embalado num papel vermelho e me ofereceu.

- Pra você se distrair até chegar em casa.

Com o sorriso de uma criança que acaba de ganhar um Kinder Ovo tamanho 20 eu agredeci. A moça foi embora e não pude evitar que uma lagrimazinha tímida pulasse do meu olho para a bochecha direita. O ovo tinha recheio de licor de cereja e era muito bom. Desci no ponto final do ônibus e nem me importei com a chuva que caía, mesmo eu estando sem guarda-chuva.

Não sei se a moça me deu o ovo porque segurei a sacola dela ou se foi porque ela simplesmente gosta de distribuir pequenos ovos de páscoa para estranhos. Mas se ela conseguiu ler na minha testa "passei a páscoa sem chocolate", acho que também conseguiu ler no meu sorriso "obrigada moça, você salvou a minha páscoa!"

terça-feira, dezembro 18, 2007

Mais um trabalho final usado como post...

Cidade, City, Cité. Parafraseando Cid Campos e Augusto de Campos, damos início a nosso ensaio audiovisual sobre "as rasuras da modernidade no espaço da metrópole". Usando três palavras que designam o mesmo objeto lado a lado, acreditamos não incorrer em qualquer tipo de redundância, pois da mesma forma que Estados Unidos, Paris e Alpes são lugares completamente distintos, cada metrópole tem suas próprias rasuras. Num tom indefinido, alguma coisa entre o cinza do concreto, as cores pálidas da cidade e o amarelado típico do que é envelhecido, apresentamos a multidão confusa e o tráfego borbulhante se apropriando e invadindo os bulevares em ritmos descontínuos e fluxos assimétricos.

A câmera, quase sempre distante, é de quem observa a cidade e seu horizonte imperfeito com nostalgia do que ainda não deixou de ser. Do alto vemos a massa. De perto, constatamos que ainda existem pessoas na metrópole, e que algumas ainda insistem em ignorar o barulho, o caos, e toda a confusão do mundo ao seu redor. Jogam xadrez, sentam e esperam o que nem elas mesmas sabem, tentam organizar o trânsito, como se pudessem se subtrair daquele espaço desordenado.

A metrópole é assim: momentos de silêncio, períodos de sons irritantes e indistinguíveis. E se há os que tentam organizar a metrópole por meio da ação, há os que tentam faze-lo pela palavra. Dizem da metrópole como se fossem alheios a ela. Fazem previsões catastróficas, ou não vêem além do óbvio ululante. Como dois pássaros no alto de um prédio, vêem o emaranhado de carros na hora do rush, mas não se afetam por ele, ou então conferem tanta atenção aos automóveis que não conseguem ver o carrinho de pipoca do outro lado da rua, solitário e estático, como são as pessoas na metrópole.

domingo, outubro 28, 2007

'bout music and love

*Para Lalá

Lá diz:
aqui, vc não vai escrever mais nada no seu blog não?
Fernanda diz:
vou
sobre o q vc quer q eu escreva?
Lá diz:
uai, quem pensa o q escrever é vc, eu só leio e comento
Fernanda diz:
mas hj eu deixo vc escolher sobre o q eu vou escrever
promoção, aproveita
Lá diz:
escreve sobre o q vc tava me falando antes, que a gente aprende a amar
ou sobre música; ou os dois

Sobre música
Acabo de voltar da ópera. "O homem que confundiu sua mulher com o chapéu". Uma ópera minimalista, apenas três atores (cantores?), cenário simples, orquesta ritmada, composição enxuta e muitas imagens nos telões. O nome é esdrúxulo, mas a história é legal. Um músico que sofre de agnosia, uma doença que o faz enxergar apenas formas, cores e movimentos. Sem pode contar com a visão, passa a guiar sua vida através da música e tem canções para comer, dormir, vestir... Foi a primeira vez que assisti a uma ópera. Gostei da experiência. Só não gostei de as legendas serem projetadas num telão a 4 metros da minha cabeça.

Sobre aprender a amar
Durante a ópera, minha mãe se lembrou da vez em que foi ao Palácio das Artes assistir Saulo Laranjeira com meu pai. Quando chegamos em casa, resolveu ligar para ele e, não sei o que me deu, pedi para falar com ele, só para dar um "oi". Não sei quanto tempo havia que não nos falávamos, mas havia muito tempo. Não é que nos odiássemos, nem nada assim. É só que pensamos um pouco diferente e sempre acabávamos discutindo ao telefone. Silenciosamente, fizemos um pacto de silêncio. Não nos falávamos, para evitar conflitos, exatamente porque nunca deixamos de amar um ao outro. Hoje nos falamos e não houve conflito. Foram apenas alguns minutos, suficientes para ele perguntar por toda a família e para eu contar que estou trabalhando na secretaria de cultura do estado. "Não consigo imaginar", ele me disse. "Na minha cabeça você ainda é uma garotinha de 14, 15 anos". Foi a última vez que nos vimos. Comentei que em julho de 2009 me formo. Ele disse que que vem. Quem sabe até lá não nos falamos mais algumas vezes?

sexta-feira, agosto 10, 2007

Sobre balões e amigos


Enquanto decidia se escrevia sobre a coisa estranha que sentira enquanto estava no shopping ou sobre a distância repentina que sentia de pessoas próximas, lixava as unhas e escutava suas músicas preferidas (as melancólicas, que sempre tocam no momento mais inconsolável do filme).

A questão é que fora passear no shopping e, no meio da escada rolante, olhou para uns balões no andar superior e desvendou o mistério da vida. Eram balões metálicos, em forma de golfinho ou algum personagem de desenho animado. Apenas flutuavam estáticos, presos por uma corda. A escada no meio do nada, os balões sorrindo e as pessoas vivendo.

A outra questão era que não reconhecia mais ninguém. Sentia-se distante o tempo todo. E sempre que chegava naquele prédio, que foi o começo da parte mais interessante de sua história, sentia vontade de voltar no tempo, ou simplesmente sair correndo. Não é que não visse mais ninguém. Mas não sabia explicar. Agora apenas ia lá e não entendia mais para quê.

Por fim decidiu não escrever sobre nada. Terminou de lixar as unhas e continuou ouvindo as mesmas músicas, enquanto tentava fazer o que faziam as pessoas e os balões: viver e sorrir.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Insônia


Tinha medo daquela hora em que todas as luzes se apagavam e toda a rua ficava silenciosa. Era como se, de repente, alguém falasse: hora de dormir! E por isso ela não conseguia. E ficava acordada (como quando se é criança e alguém te manda ficar sentado, e só de pirraça você levanta). Então apagava a luz. Acendia de novo. Colocava uma música pra tocar. Desligava. Bebia água. Contava carneirinhos - eles sempre batiam a cabeça na cerca, e se pulassem mais alto, a cerca aumentava de tamanho. Virava para um lado. Para o outro. Abria a cortina. Fechava a janela.

Por descuido, adormecia. Mas depois de alguns minutos de sono, era como se lhe faltasse ar. E acordava assustada. Ou então tinha pesadelos. Nunca lembrava exatamente o quê. Mas acordava assustada. E quando tentava adormecer mais uma vez... Mais uma vez o ar lhe faltava.

Então, depois de uma longa batalha contra a noite e o silêncio, quando finalmente conseguia dormir em paz, o sol mostrava que ia nascer, e era de acordar...