“O ministério do saber adverte: conhecimento não deve ser numerado de 1 a 15. Ou qualquer que seja o número”.
Macunaíma. “Um livro totalmente sem sentido. O cara nasce e depois já fica grande. Começa no meio do mato e do nada o personagem vai para a cidade”. Me informou, há cerca de seis anos, uma prima leu o livro para fazer vestibular. Na aula de literatura, recordo o professor comentando algo sobre Oswald de Andrade. Mas a semana de arte moderna de 1922, estudei mesmo foi na aula de história. “Um acontecimento muito importante para o Brasil”, informou a professora, sem explicar direito o porquê da importância.
Tempos atrás, ainda, houve uma minissérie na televisão que contava a história de São Paulo. Assisti alguns capítulos e lembro que alguns dos Andrades (Mário ou Oswald) mantinha um affair com Tarsila Amaral.
Até o dia em que entrei na sala 2, terceiro andar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, e a professora falava sobre índios e antropofagia. Não muito tempo depois, assistíamos ao filme Macunaíma. Impressionou-me a bela imagem da tela – ótima qualidade para uma película razoavelmente antiga – mas impressionou-me ainda mais a história. Minha prima havia me enganado: na verdade, tudo naquela história fazia sentido. A história era fantástica. Os atores eram bons. Algumas cenas renderam boas risadas.
Quando saí da sala, um sentimento de indignação me comoveu. “Porque meu professor de literatura não indicou o livro para minha turma de ensino médio? Porque falou tanto em Iracema, e passou tão rápido pela semana de arte moderna?”. Parecia que a escola não havia me ensinado algo realmente útil (impressão que já alimentava nos 10 anos de Colégio Marista). Ao mesmo tempo, de repente fazia sentido o que a professora de comunicação e cultura havia falado sobre Oswald de Andrade. Não havia como discordar que não lhe davam a devida importância.
Durante a disciplina também fui apresentada ao manifesto antropofágico. Os sertões. Casa grande e senzala. (Aqueles livros que sempre ouvia falar, mas nunca busquei ou fui obrigada a ler). Descobri que podia mesmo me orgulhar do conterrâneo Darcy Ribeiro. Li tudo como uma criança que acabara de aprender a ler. E sempre me perguntava porque não era àquilo que me obrigavam no colégio (talvez porque se lesse obrigada, como tantas coisas que li na escola, acharia tudo cinza e repetitivo).
Na primeira vez, não entendi nada que Glauber Rocha falava em Di. Mais tarde, em casa, assistindo o vídeo pela segunda vez, algo já era compreensivo. Na terceira, lembrei de algo que havia lido para o vestibular: Flor da Morte, de Henriqueta Lisboa, aquele livro chato, de poesias iguais, que em 2004 passara batido. E foi assim durante todo o tempo em que me envolvia com a disciplina: toda aula, alguém me pegava pelos pés e me virava de cabeça para baixo. O mundo sob uma nova perspectiva. Cultura brasileira, povo, popular. O que essas palavras queriam mesmo dizer?
Vez ou outra, é verdade, ignorava a discussão em voga na sala de aula para conversar com o colega ao lado. “Agora o Wando é cult. Antes era kitsch”. E nessas conversas, descobri que me inquietava a polêmica acerca do popular. O que era popular? Será que Adorno tinha razão sobre a Indústria Cultural? O popular-distante, popular-intocado. A antropofagia. Era a resposta para tudo. Adeus purismo, agora eu tinha a consciência livre para gostar mais de rock inglês que de samba. (Samba é bom. Mas não é minha preferência, fazer o quê?).
O nome Glauber Rocha sempre surgia. Lembrava ter visto em algum lugar que nascemos no mesmo dia. Um dia, enfim, assisti Deus e o Diabo na Terra do sol. Só isso? Pensei. Com certeza, eu não havia compreendido o que havia por trás da história. Mas tarde vi Terra em transe, depois de ler um texto sobre. A teoria do transe! Completava a antropofagia. “Todos têm direito à consciência”. Era isso! Podia até ser que o povo, essa instituição mítica, tivesse mau gosto. Mas onde estava o bom gosto? De volta a Deus e o diabo: o que dizem os profetas e salvadores? Quem pode se definir como categoria aparte e acima do povo?
Todas essas descobertas deviam caber num quadrado de colcha de retalhos. Quem melhor que Drummond para resumir tudo? “A bunda que engraçada, está sempre sorrindo, nunca é trágica”. A bunda era o Brasil, sempre sorrindo. O Brasil era uma terra de zés ninguéns, graças a deus.
E o passeio na montanha russa chegou ao fim. Quando a gente desce do carrinho, continua meio tonto, demora para recuperar. O frio na barriga incomoda, mas vale a pena. Durante o looping (a virada de cabeça para baixo), nunca tive coragem de abrir os olhos. Dessa vez eu tive, e vi que via tudo errado. De cabeça para baixo, descobri que “não havia uma garça na beira no rio, mas um rio na beira da garça”.
Macunaíma. “Um livro totalmente sem sentido. O cara nasce e depois já fica grande. Começa no meio do mato e do nada o personagem vai para a cidade”. Me informou, há cerca de seis anos, uma prima leu o livro para fazer vestibular. Na aula de literatura, recordo o professor comentando algo sobre Oswald de Andrade. Mas a semana de arte moderna de 1922, estudei mesmo foi na aula de história. “Um acontecimento muito importante para o Brasil”, informou a professora, sem explicar direito o porquê da importância.
Tempos atrás, ainda, houve uma minissérie na televisão que contava a história de São Paulo. Assisti alguns capítulos e lembro que alguns dos Andrades (Mário ou Oswald) mantinha um affair com Tarsila Amaral.
Até o dia em que entrei na sala 2, terceiro andar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, e a professora falava sobre índios e antropofagia. Não muito tempo depois, assistíamos ao filme Macunaíma. Impressionou-me a bela imagem da tela – ótima qualidade para uma película razoavelmente antiga – mas impressionou-me ainda mais a história. Minha prima havia me enganado: na verdade, tudo naquela história fazia sentido. A história era fantástica. Os atores eram bons. Algumas cenas renderam boas risadas.
Quando saí da sala, um sentimento de indignação me comoveu. “Porque meu professor de literatura não indicou o livro para minha turma de ensino médio? Porque falou tanto em Iracema, e passou tão rápido pela semana de arte moderna?”. Parecia que a escola não havia me ensinado algo realmente útil (impressão que já alimentava nos 10 anos de Colégio Marista). Ao mesmo tempo, de repente fazia sentido o que a professora de comunicação e cultura havia falado sobre Oswald de Andrade. Não havia como discordar que não lhe davam a devida importância.
Durante a disciplina também fui apresentada ao manifesto antropofágico. Os sertões. Casa grande e senzala. (Aqueles livros que sempre ouvia falar, mas nunca busquei ou fui obrigada a ler). Descobri que podia mesmo me orgulhar do conterrâneo Darcy Ribeiro. Li tudo como uma criança que acabara de aprender a ler. E sempre me perguntava porque não era àquilo que me obrigavam no colégio (talvez porque se lesse obrigada, como tantas coisas que li na escola, acharia tudo cinza e repetitivo).
Na primeira vez, não entendi nada que Glauber Rocha falava em Di. Mais tarde, em casa, assistindo o vídeo pela segunda vez, algo já era compreensivo. Na terceira, lembrei de algo que havia lido para o vestibular: Flor da Morte, de Henriqueta Lisboa, aquele livro chato, de poesias iguais, que em 2004 passara batido. E foi assim durante todo o tempo em que me envolvia com a disciplina: toda aula, alguém me pegava pelos pés e me virava de cabeça para baixo. O mundo sob uma nova perspectiva. Cultura brasileira, povo, popular. O que essas palavras queriam mesmo dizer?
Vez ou outra, é verdade, ignorava a discussão em voga na sala de aula para conversar com o colega ao lado. “Agora o Wando é cult. Antes era kitsch”. E nessas conversas, descobri que me inquietava a polêmica acerca do popular. O que era popular? Será que Adorno tinha razão sobre a Indústria Cultural? O popular-distante, popular-intocado. A antropofagia. Era a resposta para tudo. Adeus purismo, agora eu tinha a consciência livre para gostar mais de rock inglês que de samba. (Samba é bom. Mas não é minha preferência, fazer o quê?).
O nome Glauber Rocha sempre surgia. Lembrava ter visto em algum lugar que nascemos no mesmo dia. Um dia, enfim, assisti Deus e o Diabo na Terra do sol. Só isso? Pensei. Com certeza, eu não havia compreendido o que havia por trás da história. Mas tarde vi Terra em transe, depois de ler um texto sobre. A teoria do transe! Completava a antropofagia. “Todos têm direito à consciência”. Era isso! Podia até ser que o povo, essa instituição mítica, tivesse mau gosto. Mas onde estava o bom gosto? De volta a Deus e o diabo: o que dizem os profetas e salvadores? Quem pode se definir como categoria aparte e acima do povo?
Todas essas descobertas deviam caber num quadrado de colcha de retalhos. Quem melhor que Drummond para resumir tudo? “A bunda que engraçada, está sempre sorrindo, nunca é trágica”. A bunda era o Brasil, sempre sorrindo. O Brasil era uma terra de zés ninguéns, graças a deus.
E o passeio na montanha russa chegou ao fim. Quando a gente desce do carrinho, continua meio tonto, demora para recuperar. O frio na barriga incomoda, mas vale a pena. Durante o looping (a virada de cabeça para baixo), nunca tive coragem de abrir os olhos. Dessa vez eu tive, e vi que via tudo errado. De cabeça para baixo, descobri que “não havia uma garça na beira no rio, mas um rio na beira da garça”.
Um comentário:
Ah Fernanda,
obrigado por isso! Regina
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