domingo, março 30, 2008

La belle mer


Talvez ela sempre soubesse que ia ser assim. Mas quis se arriscar mais uma vez. Afinal, ficar sentada na areia vendo as ondas irem e virem não era assim tão ruim. Mas não comparado à aventura de enfrentar o mar. Aquela água inquieta tentando derrubar tudo que vem na direção contrária, aquele chão instável que, vez ou outra, ainda tinha uma alga chata pra incomodar, o sal enrugando ainda mais a pele...

Mas ela já sabia que nunca se dava bem com o mar. Nunca conseguia vencer as ondas, acabava sempre levando mais um caldo. Mas quis insistir. Pensou que se tomasse cuidado talvez conseguisse enfrentar todos os obstáculos e sair ilesa da água. Cansou da areia e pensou que era hora de tentar de novo.

E até achou que estivesse indo bem... Quando o chão embaixo de seus pés se desfez pela primeira vez não desanimou, continuou em frente, enfrentando as ondas. Mas a maré começou a subir, as ondas ficaram mais fortes e o caldo foi inevitável. Então se convenceu de que realmente não sabia lidar com toda aquela água ao seu redor. Resolveu que não ia mais voltar. A areia, na verdade, era melhor. E ela e o mar nunca iam se entender. (Pelo menos até ela se cansar da areia mais uma vez...)

terça-feira, março 25, 2008

Pequenos milagres



Quando eu era pequena, não gostava muito de chocolate. Só comia alguns bombons, daqueles com bastante recheio. E eu sempre ganhava muitos ovos de páscoa. A maioria da família, mas também alguns de presente de aniversário. Ficava sem saber o que fazer com eles. Acabava comendo os bombons que vinham dentro do ovo e distribuía o resto entre os primos e a minha mãe.

Não me lembro quando comecei a gostar de chocolate puro. Mas esse dia chegou e, quando isso acontecem, os ovos sumiram. Esse ano ganhei só um, de aniversário, mas era branco e não me deixaram trocar na loga ("não trocamos chocolate, me disse a moça da loja de chocolates). Como ainda não gosto de chocolate branco (que, aliás, em minha opinião, nem chocolate é) e acho que nunca vou gostar, relembrei a minha infância e doei meu único ovo para a minha mãe. Em troca ela comprou bananas, mangas, maçãs, melancia, laranjas... Algumas pessoas me disseram que assim era bem melhor pra mim, mas não deixei de me sentir frustrada pela falta de ovo.

O domingo de páscoa passou e já na segunda-feira (uma segunda que, além de típica, era chuvosa), voltava pra casa de ônibus quando uma moça com uma pasta se aproximou. Ela estava em pé e eu sentada, logo me ofereci pra carregar seu objeto. Depois a moça se sentou e dessa vez uma mulher com três sacolas se aproximou. Segurei as sacolas até ela descer e então veio a terceira moça com sacola (dessa vez era uma só, preta e bem pesada). Novamente me ofereci pra carregar a sacola.

A moça era quase uma senhora (aparentava uns trinta e alguns anos), usava uma blusa amarela das lojas pernambucanas, bermuda jeans e all-star preto. Quando seu ponto chegou, tirou da bolsa um ovinho embalado num papel vermelho e me ofereceu.

- Pra você se distrair até chegar em casa.

Com o sorriso de uma criança que acaba de ganhar um Kinder Ovo tamanho 20 eu agredeci. A moça foi embora e não pude evitar que uma lagrimazinha tímida pulasse do meu olho para a bochecha direita. O ovo tinha recheio de licor de cereja e era muito bom. Desci no ponto final do ônibus e nem me importei com a chuva que caía, mesmo eu estando sem guarda-chuva.

Não sei se a moça me deu o ovo porque segurei a sacola dela ou se foi porque ela simplesmente gosta de distribuir pequenos ovos de páscoa para estranhos. Mas se ela conseguiu ler na minha testa "passei a páscoa sem chocolate", acho que também conseguiu ler no meu sorriso "obrigada moça, você salvou a minha páscoa!"